Uma intensa disseminação: a África como locus na literatura portuguesa

Résumé

Neste texto procura-se analisar os meandros da histórica ligação de Portugal ao continente africano por via de referências ao espaço africano na literatura portuguesa, relação tida como um dos mais relevantes tópicos da identidade portuguesa. A reflexão sobre África efectuou-se na literatura portuguesa entre o sentido de pertença que a heroicização do passado impõe e o desejo de afirmação de uma identidade atlântica posterior ao abandono das colónias africanas. Acompanhando a transformações históricas do colonialismo português, verifica-se que a disseminação deste tópico decorreu sobretudo a partir do século XIX, até ao momento fulcral de memória do passado da Guerra Colonial em que ao “trauma” colonial se junta a necessidade de um balanço no período pós-colonial, muitas vezes com ecos da memória do passado nacional.

Plan

Texte

O lugar político das práticas de memória é ainda nacional e não pós-nacional ou global. Andreas Huyssen
A identidade não se compartimenta, não se reparte em metades, nem em terços, nem se delimita em margens fechadas. Amin Maalouf

Começo este texto convocando a teoria da memória (e a concepção cultural da memória), porque este parece-me um instrumento indispensável para se perceber a dinâmica dos elos, que actualmente a literatura portuguesa actualiza, entre a Europa, Portugal no caso, e a África, os países de língua oficial portuguesa. Na verdade, a partir de 1975, isto é, depois das independências políticas das colónias e da “retracção” territorial de Portugal ao espaço ibérico e insular da Macaronésia setentrional, essa relação com a África, que filósofos e historiadores afirmam ser estruturante da europeidade portuguesa, e que os críticos querem encontrar na literatura, tem vindo a ser actualizada com um misto de intenção de localização histórica, ambição heroicizante do passado e afirmação refigurativa de uma identidade atlântica.

Porém, não raro essa performance literária resulta em celebração do que se pretende questionar e desvelar, concorrendo, neste paradoxo, para o que Pierre Nora designou como “bulimia comemorativa” (2008), assente num frenesim nostálgico colectivo decorrente de um processo amnésico do passado.

1. De experiências e vivências: a trajectória da disseminação

A memória tem a ver com o presente, embora sempre seja vista como coisa do passado. Ela é uma construção do presente, está sempre voltada para questões atuais (…) O teatro da memória é eminentemente político.

Márcio Seligmann-Silva

1Pondo de parte o caso da literatura de viagens, talvez esses elos – refiro-me aos literários – não sejam assim tão antigos quanto se esperaria de uma presença de cinco séculos e um domínio efectivo de pelo menos século e meio. Com efeito, eles vêm do tempo colonial, mais precisamente a partir da segunda metade do século XIX. À produção literária sobre a África estava subjacente uma vertiginosa destinação subalternizante, que decorria do ensaio da abertura de horizontes, mesmo porque por estes estudos (mormente de teor etnográfico, que permitiam o “conhecimento” do “gentio”) se forjavam os estereótipos que serviriam à dominação colonial.

Depois das independências, a África evocada era-o primeiramente enquanto localização da inquietação colonial e imperial, mais precisamente por ser lugar de um tempus horribilis histórico: a guerra colonial – e já não propriamente locus horrendus, como fora na construção na ultramarinidade e da colonialidade, em que o confronto era com o espaço humano e natural. Pode dizer-se que, tal como os combatentes (da I Grande Guerra) que regressavam do campo de batalha, “mais pobres em experiência comunicável”, segundo Walter Benjamin, também estes “empresários da memória”, para utilizar uma expressão de José Manuel Oliveira Mendes2 – no caso, escritores –viveram o seu tempo de emudecimento seguido de rumores traumáticos, pois “o trauma tem a ver com os limites da linguagem e da representação.” (Seligmann-Silva, 2008: 6). Devido ao distanciamento temporal (cerca de duas dezenas de anos, numa era de intensa vertigem temporal proporcionada pelos meios de comunicação e de novos paradigmas de pensamento), que proporciona a experiência da comunicação, a literatura de motivação africana, que neste contexto sempre foi uma constante na literatura portuguesa desde os primórdios do colonialismo, ressurge assim com uma feição diferente, parecendo ter outras derivações, outras dimensões.

Esse actual regresso a África não se faz na esteira da literatura colonial, aquela que participa da concertação sinfónica da subalternização do homem africano e que, na construção textual, desenha a apologia do império e da colonização como necessária ao processo civilizatório3. Essa configuração ideológica é actualizada a nível técnico-compositivo e semântico-pragmático da urdidura textual (narrativa e lírica) e na sua intencionalidade ideológica pela representação de uma espácio-temporalidade africana hostil – o que permitia a construção heróica da figura do colonizador. O espaço não funcionava como “local da cultura”, sendo que, neste processo de construção literária, os sujeitos produtores de enunciação não eram os africanos, mas sim geralmente sujeitos metropolitanos que mantinham com aquele espaço uma tensa relação de alteridade dinamizada pelo “espírito de missão civilizadora”.

Não admira, por isso, que essa produção tivesse sido incentivada e promovida pelo poder colonial, até institucionalmente, como se pode ver pela criação, a partir de 15 de Dezembro de 19324, do prémio de literatura colonial da Agência-Geral das Colónias (depois Agência-Geral do Ultramar, criada por Teófilo Duarte em portaria de Fevereiro de 1948). O objectivo era despertar para a necessidade de “intercâmbio” entre o Portugal metropolitano e os territórios do Ultramar que, como se sabe, iam da África à Ásia (Timor e o estado da Índia). Essa iniciativa, que seria revitalizada com um novo Regulamento do Concurso de Literatura Ultramarina, visava promover “a literatura na forma de romance, novela narrativa, relato de aventuras, etc. que melhor contribua para despertar, sobretudo na mocidade, o gosto pelas causas coloniais”5.

Hoje, já no século XXI, essas conexões são diferentes, assim como diferente é a intenção literária que as motiva. Com efeito, quando se pensa certa produção literária portuguesa da actualidade que elege a África (colonial e pós-colonial, embora aquele tempo prevaleça) como locus da sua gestação, é importante pensar-se que esse ressurgimento se segue a um período de quase ausência desde António Lobo Antunes (Memória de Elefante, Os Cus de Judas – ambos de 1979, A Explicação dos Pássaros,1981, e em parte Conhecimento do Inferno, também de 1981, As Naus, de 1988); Lídia Jorge (A Costa dos Murmúrios, 1988)6, Carlos Vaz Ferraz, pseudónimo literário de Carlos Matos Gomes (Nó Cego, 1983, Os Lobos não Usam Coleira, 1991)7, Hélder Macedo (Partes de África, 1991).

Destaco desse corpus o romance de Maria Isabel Barreno, O Senhor das Ilhas (1994) – ilhas de Cabo Verde, em representação pela ilha Brava. A importância deste romance, grandemente decorrente da sua dimensão histórico-sociológica, deve-se ao facto de inaugurar um novo olhar sobre esse lugar de simultânea distância e localização matricial da identidade cultural portuguesa, precisamente porque, sendo saga de uma família, ela, a família Martins, dada a conhecer em 1993, por via de um manuscrito pouco credível, reportando acontecimentos a século e meio de distância (1790-1840), torna-se representação metonímica da nação portuguesa. Com um começo narrativo a anunciar uma perda (a morte do pai, motivo pelo qual os irmãos Marta e Manuel Maria são introduzidos na história no decurso de sua viagem a Lisboa para comprar a lápide tumular), é interessante que a ligação entre Cabo Verde e Portugal se faz por via da nativização, no universo cabo-verdiano, de Maria Josefa, portuguesa criada na ilha, cuja primeira presença se faz na praia, fronteira não apenas geográfica mas ainda identitária, pois situada na zona de tensão entre o querer e o sentir (o prazer de sentir a terra/a areia) e o dever (comportamento que o pai, D. Aniceto, reprovava) – com a dominância da primeira disposição. E é nesse limiar, entre a terra e o mar, entre os códigos da corte portuguesa e a sageza africana de Cremilde, que o (r)encontro se dá com Manuel António, “representação”, em Cabo Verde, da corte portuguesa.

Esse enfrentamento transcultural será perseguido por Mário Claúdio, já na década seguinte, com Oríon (2001), aqui através de outro tipo de saga: o de um segmento, o judeu/cristão novo, com lugar ambíguo na “comunidade imaginada” destinadora, a portuguesa. A figura central que dinamiza a narrativa, que nela concentra o foco narrativo, é Abel, uma das sete crianças judias sobreviventes da empresa povoadora de Álvaro de Caminha, no período de “invenção” da sociedade são-tomense (Isabel Castro Henriques)8. Por esta estratégia de fundação de um início se vai pontuando a viragem que aponta para uma reinicialização relacional com a África, já no dealbar do século XXI.

Os primeiros anos deste século conheceram, portanto, outros olhares literários sobre África, reveladores, portanto, de outro relacionamento com aqueles espaços. E se A Árvore das Palavras (1997), de Teolinda Gersão, Baía dos Tigres (1999), de Pedro Rosa Mendes, Oríon (2001), de Mário Cláudio, e Equador (2003), de Miguel Sousa Tavares, talvez sejam as obras mais conhecidas deste corpus indicativo de uma viragem, convém conhecer outras que, embora menos mediáticas na sua recepção, são significativas no modo como actualizam uma “poética da relação” histórica e identitária com o Portugal (ex-)imperial e (ex-)colonial, que começara, significativamente, com a tematização da colonização das ilhas atlânticas: Cabo Verde (O Senhor das Ilhas) e São Tomé e Príncipe (Oríon). Significativamente porque, sendo essas ilhas de formação colonial, essa tematização assinala uma nova estruturação do/no imaginário histórico e psicocultural com respeito à relação colonial com reflexos no processo de reagenciamento identitário.

2. De vivências e reflexões: as diferentes disseminações

Os discursos da memória articulam questões de poder e de política.

(Seligmann-Silva)

Diferentes são, no entanto, os contornos dessa poética: ora para ligar este espaço à história de Portugal (como nas duas últimas obras supracitadas), ora para o ligar à conjuntura internacional, com uma agência portuguesa bem presente, embora condicionada pela realpolitik, como em Boa Tarde às Coisas Aqui em Baixo (2003), de António Lobo Antunes, e Lenin Oil (2006), de Pedro Rosa Mendes, em que em Angola ou em São Tomé e Príncipe, diamantes, petróleo e armas substituem a causa da “civilização” numa África que surge, agora, numa ambígua dimensão paradisíaca, por aquilo que pode proporcionar, e infernal, por aquilo que de facto proporciona aos africanos, “Um presente onde o passado se mistura com o instante. A busca da verdade na mentira da ficção”, como afirma Maria Luisa Blanco (2003) a propósito de Boa Tarde às Coisas Aqui em Baixo; ora como sujeitos de uma “multicultura fragmentada”, como diria Cornejo Polar a propósito do migrante (Polar, 2000: 137), para organizar a gestão da incompletude identitária que o deslocamento pós-colonial originou, num misto de regresso nostálgico e sentido de perda traumática. Citam-se, neste contexto, sem qualquer pretensão de exaustão, A Paixão de Muamina (de 2002), de Élio Bélaze, pseudónimo de Bento Elísio de Azevedo; O Tibete em África (2006), de Margarida Paredes; Lourenço Marques (2003), de Francisco José Viegas; Niassa (2007), de Francisco Camacho; O Tempo dos Amores Perfeitos (2006), O Último Ano em Luanda (2008), de Tiago Rebelo; Os Retornados: um Amor nunca se Esquece (2008), de Júlio Magalhães; Olhos de Caçador (2007), de António Brito; Perdido de Volta (2008), de Miguel Gullander; O Filho da Preta: Demanda de um Filho Esquecido em Angola (2008), um romance publicado, significativamente na colecção “Coração Africano” da Planeta Editora, e Retalhos de uma Vida (2009), ambos de Quirimbo 70; Caderno de Memórias Coloniais (2009), de Isabela Figueiredo; Cisne de África (2009) e Praia Lisboa (2010), ambos de Henrique Levy; Fala-me de África (2010), de Carlos Vaz Ferraz.

Porque “os discursos da memória articulam questões de poder e de política” (Seligmann-Silva, 2008: 6), muitos destes romances acabam por ser narrativas de catarse colectiva, familiar ou somente individual, verbalizando os traumas causados pela ruptura tanto ideológica e política, como em Caderno de Memórias Colónias e O Último Ano em Luanda, quanto psico-cultural e identitária, como em Lourenço Marques ou em Niassa, num processo em que a “psicanálise” dos sentimentos, da afectividade, da subjectividade e da subjectivização tem o papel de espolete narrativo. Não raro nessas narrativas a enunciação é pontuada pelo ressentimento que surge como âncora da nostalgia do passado – uma nostalgia muito regressiva, aliás –, com a memória social e política a funcionar como tecedeira de relações de dissensos ideológicos e opções políticas: O Último Ano em Luanda, Caderno de Memórias Coloniais e Fala-me de África são três exemplos-limite, quase paradigmáticos, dessa tendência (destaque-se, neste contexto, o caso do romance de Margarida Paredes, O Tibete em África, em que, narrativizando a memória de experiências e vivências da guerra e dos afectos, estes institutos convocam saberes e abordagens históricas com uma lucidez de análise que faz deste romance, para muitos “retornados” – pois a personagem é uma “retornada” – um romance “incómodo”, tendo sido, aliás, a autora apelidada de traidora em alguns sites mais radicalmente “ultramarinistas”9.

A esse discurso nostálgico sobre a “ideia de Portugal” chamarei “ultramarinista” por não conseguir inscrever – (no sentido em que José Gil (2005: 22-23) utiliza o termo: “nevoeiro da consciência” – o país no momento actual da história da Europa e do mundo, articulá-lo com os resultados da dinâmica não apenas das transformações históricas, mas ainda do processo decorrente da “nova ordem mundial”, mesmo se transversal à sociedade portuguesa, com derivações africanas. Não creio, porém, que a sua transversalidade o torna mais razoável pois, partilho a ideia de Maalouf de que “a lei da maioria nem sempre é sinónimo de democracia, de liberdade e de igualdade: por vezes, ela é sinónimo de tirania, de sujeição e de discriminação” (2002: 168). Seja como for, essa “lei” tem contaminado outras discursividades sociais, erigindo-se a “sentir colectivo”, com reflexos na ciência história, na crítica literária, na afectividade cultural, no discurso político, dando razão à advertência de Pierre Nora para quem,

Aujourd'hui, certains défenseurs de la mémoire ont une tendance à se montrer agressifs. Ils imposent une mémoire tyrannique, parfois terroriste, notamment vis-à-vis de la communauté scientifique. Des historiens très sérieux sont jetés en pâture à des groupes de pression qui utilisent de plus en plus la menace de la loi pour occulter des vérités qui ne leur conviennent pas. Il faut empêcher les gardiens de telle ou telle mémoire de prendre en otage la recherche historique. Ils exigent que l'histoire les serve parce qu'ils projettent les préoccupations du présent sur les événements du passé. (Nora, 2008)

Porém, há ainda casos em que o espaço africano aparece como lugar de refúgio e de passagem, como na poesia de Ilha entre Linhas (2008), de Paulo Ramalho, que, “exilado” em São Tomé durante algum tempo, com uma bolsa Criar Lusofonia do Centro Nacional de Cultura (Portugal), deu à estampa uma obra em que reinterpreta a dimensão transculturativa do processo de formação da sociedade são-tomense. E porque estou a citar, obviamente sem intenção de qualquer exaustão, obras singulares na bibliografia dos escritores, convém conhecer a obra ficcional e memorialista de Otilina Silva, portuguesa que viveu vinte e cinco anos em São Tomé e é autora de um romance Cores e Sombras de São Tomé e Príncipe (2000), e de dois livros que reúnem escritos memorialistas e de teor reflexivo: Ecos da Terra do Ossobó (2004) e São Tomé e Príncipe: Ecos de Ontem e de Hoje (2006).

Interessante perceber como muitos destes escritores, quase todos, são “escritores de fronteira”, no sentido em que facilmente podem transitar entre duas nacionalidades literárias que, aliás, alguns reivindicam. Tal é o caso de Sum Marky (José Ferreira Marques) cuja obra se reparte pela literatura são-tomense e pela literatura erótico-pornográfica portuguesa, ora como Sum Marky ora como Louis Rudolfo; ou de Castro Soromenho que, como precursor do romance moderno angolano, tem também lugar na literatura colonial, portanto portuguesa, com romances como Homens Sem Caminho (1939) e Noite de Angústia (1941), ou as narrativas breves de Lendas Negras (1936) e de Nhári: o Drama da Gente Negra (1938). Outros, ainda, mais “diligentes” na dimensão teleológica da identidade, reivindicam, à vez, as “suas” nacionalidades, manipulando o momentum, dando razão à convenção de que as identidades são não apenas construções, mas ainda categorias teleologicamente manipuláveis – na contramão das pressuposições de Amin Maalouf, tantas vezes (mal) citado, pois o que Maalouf afirma é:

A identidade não se compartimenta, não se reparte em metades, nem em terços, nem se delimita em margens fechadas. Não tenho várias identidades, tenho apenas uma, feita de todos os elementos que a moldaram, segundo uma “dosagem” particular que nunca é a mesma de pessoa para pessoa. (Maalouf, 2002: 10. Meu sublinhado)

Além de que nessa regra, o de entrelugares convenientes, também se encontra o abuso. Por isso, cumprindo o apelo de Bertold Brecht, ainda que o remédio aqui seja o questionamento10, não me coíbo de me interrogar sobre o lugar de alguma dessa obra, e a sua funcionalidade no processo de agenciamento de identidades literárias (portuguesa e africanas) em período pós-colonial, não para excluir de qualquer sistema, senão para perceber tanto os meandros da dimensão teleológica da figuração do experiencial na construção identitária quanto os efeitos do solapamento da questão da instituição literária, com reflexos em processos de promoção individual... Por isso, ocorre-me perguntar: considerando o carácter relacional da identidade, muita dessa produção é literatura africana ou é, antes, uma feição da literatura portuguesa (e um caso interessante é o de Inácio Rebelo de Andrade)11?

A resposta a esta questão, que a (auto-)censura tem elidido por razões de melindres de ordem social e ideológica, tem encontrado o seu equilíbrio em bases exteriores ao literário – mormente na história pessoal dos escritores, que se faz, como se sabe, de inúmeras ficcionalizações que visam construções biográficas…

A questão da história pessoal do escritor assim como o significado do seu “capital social” não são, neste caso, irrelevantes. Se no seu ensaio “O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov”, de 1936, Walter Benjamin alerta para o recuo, no Ocidente, da “faculdade de intercambiar experiências”, hoje esse ensaio pode considerar-se seminal, tendo em conta as pesquisas sobre o lugar da memória na refiguração identitária. Com efeito, já então Benjamin, cujas considerações se fizeram no contexto da “era da grande indústria” e da (I) Grande Guerra, elegeria a experiência do conhecimento, exemplificada pelo viajante, e a experiência da vida quotidiana e tradicional, a vivência afinal, exemplificada pelo camponês, como pilares da memória, até como instituição social, em que é possível encontrar resistência à perda dessa capacidade de intercambiar experiências.

Esta reflexão de Benjamin, a uma distância de quase 80 anos, aplica-se ao momento actual em que à “era das grandes indústrias” corresponde a globalização actual, na medida em que ambos os tempos, para resistir à força niveladora, transformam o vivido em diferença produtiva através de evocação memorialista, de espaço e tempo. A globalização concilia-se com o processo de introspecção histórica na construção de discursos de identidade, a partir da sobrevivência da memória que busca a identificação com o passado através de afectos e subjectividades, de fragmentos da memória que, porém, cintilam intensamente e se impõem à consciência do indivíduo.

Se isto é válido enquanto teoria que visa enfrentar a força homogeneizante da globalização, também funciona quando se analisam os processos de refiguração identitária a partir da memória da experiência e da vivência e de deslocamentos que buscam âncoras no passado em escrituras em/sobre o tempo pós-colonial, enfim no caso, “no rastro da descolonização e de novos movimentos sociais em sua busca de histórias alternativas e revisionistas (Huyssen, 2000: 10).

Neste contexto, pode falar-se de disseminação, conceito que se torna operativo para perceber o processo pelo qual o indivíduo actualiza a sua pertença a dois mundos – que corresponderiam ao que ficou para trás (Bhabha fala em original) e o novo (que corresponderia à sociedade de acolhimento). E embora Homi Bhabha utilize a expressão para, desvelando as “margens da nação”, focalizar o processo identitário dos emigrés (o que convoca a questão da territorialidade), disseminação seria, também aqui, instrumento conceptual no sentido de uma dispersão dos “locais de cultura” que povoam a identidade do sujeito.

Com efeito, aquilo que Bhabha considera “forma obscura e ubíqua de viver a localidade da cultura” (Bhabha, 1998: 199), precisamente porque, partindo da experiência da diáspora e da imigração, estes sujeitos deslocados se movimentam nas margens da “cultura dominante”, pode aplicar-se a esses sujeitos em trânsito, narradores e personagens (porque muitas vezes os narradores projectam-se nas personagens), neutralizando essa dominância. Apenas quando a personagem assume esses outros locais se torna plena. Até então, estas (o irmão caçula da família Garcia, de Niassa, ou o Miguel de Lourenço Marques), desconfortáveis com a suas “identidades oficiais”, buscam localidades culturais subjectivas que se fazem disseminadas no corpo da “comunidade imaginada”, mesmo que soterradas decido a traumas, precisamente para questionar, pela nomeação, essa representação. Com efeito, ninguém hoje discorda de que as identidades colectivas se fazem de negociações constantes entre subjectividades individuais em interface com as segmentais. Assim, essas figurações identitárias não são, aqui, marginais a uma qualquer cultura dominante, mesmo porque a reivindicação de reminiscências africanas naturalizou-se no posicionamento ideológico do mainstream identitário de certa intelligensia portuguesa.

Sendo, portanto, a produção de motivação africana uma constante na literatura portuguesa, desde os tempos da literatura de viagens e das literaturas ultramarina e colonial (conforme as conveniências temporais da sua “classificação”), hoje ela tem uma feição diferente, embora persista a hesitação quanto ao seu lugar no sistema literário português e nos sistemas africanos.

E se essa produção se tornou incontornável no meio literário português, porque muito mediática, talvez tal não se deva apenas ao facto de muitos dos seus autores estarem, de uma forma ou de outra, ligados à comunicação social. Na verdade, vale a equacionar a hipótese de que também – sobretudo? – porque, através dela, a literatura, é possível entrever o processo de hifenização identitária que em muito suporta o discurso de desvanecimento da dominação colonial, proclamando-se, através de “locais de cultura” identitários de “sabor” africano, a exemplaridade e a modernidade da literatura sem chão, sem fronteiras que, como se sabe, apenas convém a um argumentário apologético da “aldeia global” aplicado a identidades de matriz ocidental.

3. O “local africano”: a intensidade da disseminação

Há sombras que a memória pode imaginar nos mapas entreabertos.

Hélder Macedo

Disse atrás “sabor” africano. Tempo espaço, não já ultramarinos e coloniais, tornam-se, assim, categorias que, redimensionadas nos estudos pós-coloniais, devolvem ao local e à subjectividade o lugar que a voragem globalizante parece ter consumido sob invólucros cosmopolistas e universais. E hoje essa escrita ganha novas significações, tematizando, sob uma batuta subjectivizante, espaços antes em contenda (português e africanos) que agora surgem como localidades em que é possível “restaurar o sabor das coisas e os ritmos lentos dos tempos antigos” (Nora, 1997: 29).

Esta expressão de Nora, que o autor consideraria anos depois “um agradável ou poético passeio pelo jardim do passado”12 (Nora, 2008), adequa-se à necessidade de explicitação de uma incursão pelos meandros do que agora me interessa: a trajectória de produções de escritores portugueses que em Portugal têm vindo a eleger a África como lugar de construção estética (enquadramento referencial ou subjectivo, emotivo até), embora não de engendramento destinador da intenção literária. Tal abordagem talvez permita mapear as pertenças literárias e identitárias de autores portugueses e suas relações com a África, seja na qualidade de território do “Ultramar”, ou colonial, seja como espaço da experiência (de conhecimento) ou espaço vivido/vivenciado – para me reportar à subtil distinção de Walter Benjamin, ou ainda como espaço imaginado, se concordamos com Hélder Macedo para quem imaginação e memória são “espelhos paralelos num mosaico incrustado de espelhos” (Macedo, 1991: 169). Isto quer dizer que o exercício da memória se alimenta da imaginação…

Considerando o carácter relacional das identidades, não devemos passar por cima da advertência de Amin Maalouf segundo a qual “é o nosso olhar que aprisiona muitas vezes os outros nas suas pertenças mais estreitas e é também o nosso olhar que tem o poder de os libertar” (2002: 31). No entanto, é produtivo questionar e assinalar o facto de quase se poder dizer que, aleatoriamente, muitas vezes estas obras são “catalogadas” como africanas, a partir da lombada, portanto pelo editor: ele decide, de forma apriorística, da sua nacionalidade – o que pode acabar por inibir, ou neutralizar, qualquer discussão, não necessariamente para excluir, como aliás, já foi referido, senão para compreender a razão porque se torna tão desconfortável e tão melindrosa a questão da identidade quando referida a escritores que se afirmam de uma literatura cuja “comunidade interpretativa” nem sempre reconhece.

Outras são, já se viu, agora, as significações deste locus de além-mar: vão desde o exemplum da inadequação e do descalabro da empresa colonizadora (como em As Naus) ao lugar de conhecimento do “eu” (Niassa), do mundo globalizado (Lenin Oil) e de compreensão de um passado recente, grupal e segmental (Cisne de África), e ao locus iniciático e catártico de reconstituição identitária, tanto a nível individual (Caderno de Memórias Coloniais) quanto a nível colectivo (Lourenço Marques).

Se o período imediato aos acontecimentos que ditaram outro relacionamento entre Portugal e os territórios africanos de colonização portuguesa conheceu o questionamento de relações passadas, vive-se outro tempo em que, dando sentido à ideia de Nora de que se fala de memória porque ela não existe mais (Nora, 1997: 23), a África que então aparece é, regra geral, tempo de (in)formação sobre refigurações identitárias. Restaurando, não sem uma dose de uma “nostalgia regressiva”, esse tempo outro necessário hoje à identificação com a história, a articulação com o presente faz-se com vista à produção de sentidos subjectivos que fazem implodir o sentido mítificado da “grande narrativa” da nação, o relato glorioso do passado colonial português: afinal, “a memória tem a ver com o presente, embora sempre seja vista como coisa do passado” (Seligmann-Silva, 2008: 5). É um “cartuxo” contra a museificação das subjectividades, do imaginário histórico português e do sentido unilateral da história. Também contra o confinamento desse olhar à esfera privada. O colectivo, aqui sinónimo de nacional, contaminado pela memória individual feita de experiências e vivências, passa a ser percepcionado também a partir de disseminações identitárias e pelo desvelamento da instrumentalização do passado.

Em todo o caso, pode dizer-se que essa literatura de motivação africana que se faz em Portugal vem reinscrevendo na agenda cultural a mais recente história das relações entre África e Portugal. Agora, porém, porque o lugar de onde se dirige o olhar já não é colonial (embora seja em muitos casos intrinsecamente colonialista) sem se concretizar a pretensão de um relato de encontro cultural e histórico, como certo sector do “empresariado” intelectual e académico tem vindo a designar o colonialismo; mas esse olhar já considera pertenças disseminadas pelos ventos da história, que é preciso destecer na sua estruturação política. A disseminação consiste, neste caso, na capacidade de perceber que a identidade se faz de duas nações, ou dois veículos nacionais, de uma dispersão e, em simultâneo, de um desenraizamento do “local da cultura” que, gera, paradoxalmente, um movimento de diálogo entre elementos diferentes, porque essa interlocução se processa numa “zona de contacto” (Mary Louise Pratt).

4. As inferências ideológicas da estética da disseminação

A narrativa (…) é ela própria, num certo sentido, uma forma artesanal de comunicação.

Walter Benjamin

A nova tematização dessa relação colonial acaba, assim, por ser a de um novo projecto de outridades e diversidades, actualizado num jogo em que vão ecoando harmonias e desarmonias, para me reportar a uma metáfora de Édouard Glissant. Talvez por isso ainda hoje persiste a hesitação quanto ao lugar no sistema literário português e nos sistemas africanos, de certas obras e autores, o que decorre (ainda) da ideia de identidade cultural como construída primordialmente, e às vezes exclusivamente, na Ibéria assim como a pretensão apriorística de que a obra de qualquer escritor que tenha nascido ou vivido em África possa por isso ser africana.

Sobretudo quando essa mesma obra não tem, na literatura portuguesa, um lugar relevante. Daí a incomodidade (porventura mais pressentida do que substantiva, quanto à automática inclusão nas literaturas africanas de qualquer obra publicada em Portugal que tenha o espaço africano como espaço de dinâmica discursiva, sobretudo se concordarmos com a pressuposição teórica de que a narrativa é sobretudo uma arte temporal. E isso mesmo que a África nesses textos funcione apenas (como) motivação textual, visível na intenção literária, geralmente quando se trate de um escritor emergente ou pouco conhecido no meio literário português. Casos há de escritores que, quando começaram a escrever, se assumiam como portugueses; não tendo tido a receptividade e a recepção esperadas, passaram a afirmar-se africanos…

Não por acaso Andreas Huyssen, referindo o momento de prevalência de “culturas de memória”, usaria a expressão “entretenimento memorialístico” (2000: 14), expressão que bem serve para perceber a ampliação dada pelos massa media a determinados conteúdos culturais e seus agentes.

Por outro lado, no texto que me tem servido de âncora metodológica, Benjamin afirma, no sexto trecho, que, com a consolidação da burguesia, um tipo de comunicação se destacou de forma muito vigorosa (embora as suas origens possam ser muito antigas), com tendência a ameaçar as formas épicas, de que a narrativa é uma prática (nesse texto Benjamin distingue narrativa de romance), e até ameaçar o próprio romance (que Benjamin considera outra influência crítica da narrativa): “essa nova forma é a informação”, conclui Benjamin. Ora, esta consideração parece explicar por que os novos produtores dessa narrativa sobre África são, grosso modo, jornalistas – o que não me parece contraditório com o que da narrativa diz mais adiante Benjamin:

A narrativa (…) é ela própria, num certo sentido, uma forma artesanal de comunicação. Ela não está interessada em transmitir o “puro em si” da coisa narrada como uma informação ou um relatório. Ela mergulha a coisa na vida narrada para em seguida retirá-la dele (…) Os narradores gostam de começar sua história com uma descrição das circunstâncias em que foram informados dos factos que vão contar a seguir, a menos que prefiram atribuir essa história a uma experiência autobiográfica (…) Assim, seus vestígios estão presentes de muitas maneiras nas coisas narradas, seja na qualidade de quem as viveu, seja na qualidade de quem as relata. (Benjamin, 1987: 205)

Apresentando universos de alteridades complexas, subjectividades fragmentadas e afectividades perturbantes, as narrativas compõem um concerto transcultural de experiências de vida, quais paisagens com África ao fundo, que apenas uma visão reificada de identidade portuguesa pode excluir desta “comunidade imaginada”.

Neste projecto de consagração de deslocamentos e seus engendramentos a ensaiar figurações diaspóricas e do exílio, na literatura portuguesa, a viagem tem um lugar fundacional na ética e na acção narrativa. Não é, por isso, despiciendo o facto de as mais mediáticas destas construções memorialistas da literatura portuguesa serem em jeito de narrativas de viagem, como sejam, apenas a título de exemplo, Um Estranho em Goa (2000), de José Eduardo Agualusa, Perdido de Volta (2008), de Miguel Gullander13, assim como os já citados Baía dos Tigres, Lenin Oil, Lourenço Marques, Niassa ou O Último Ano em Luanda.

Na tradição literária portuguesa, o tema da viagem, com as suas implicações e significações ideológicas, toma ao longo dos tempos diversas configurações fabulosas na representação do mundo, consoante a época da história de Portugal. Se à época da Expansão portuguesa e período subsequente (incluindo o do apoderamento colonial), este tema teve actualizações multiformes, do olhar do viajante ao do explorador, do conquistador ao do colonizador (Cristóvão, 1999), hoje esta temática da viagem continua a sugerir um abismo que os textos, quais ex-votos, revelam. Se os estudos sobre essa produção distribuem essa literatura em categorias diferentes, que identificam o sentir, o pensar e o agir do enunciador, parece que a actual produção, sob o abismo da viagem, potencia a componente reflexiva reconciliando-a com a sentimentalidade (a afectividade social e ideológica do enunciador) prevalecente, construindo uma expressão de subjectividade híbrida feita de emoções e de razão. E isso ao mesmo tempo que (re)concilia contextos factuais e ficcionais em esplendorosos “relatos” inseridos no universo faction (Norman Mailler)14 – ou, em versão em língua portuguesa destas “espécies” híbridas, universos faccionais. Afinal, “há sombras que a memória pode imaginar nos mapas entreabertos” (Macedo, 1991: 10).

Neste projecto de consagração do deslocamento, a viagem tem, pois, um lugar fundacional na ética e na acção narrativa.

É, portanto, no contexto da viagem que pode ser lida alguma produção portuguesa que, de uma década a esta parte, tem tomado a África na dimensão “transicional”, isto é, para localizar naquele espaço não apenas um trecho da história de Portugal, mas porventura aquele que forjou a singularidade europeia de Portugal.

Bibliographie

BENJAMIN, Walter. “O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov”. InMagia e Técnica, Arte e Política. Ensaios sobre Literatura e História da Cultura. Obras Escolhidas. Volume I, 3a. Ed. São Paulo, Brasiliense, 1987.

BHABHA, Homi. O Local da Cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.

BLANCO, María Luísa. TSF, 20 de Novembro de 2003 (a propósito de Boa Tarde às Coisas Aqui em Baixo (acesso em 15 de Abril de 2010) http://tsf.sapo.pt/paginainicial/interior.aspx?content_id=716979.

BRECHT, Brecht. Poemas. Tradução, selecção, estudos e notas de Arnaldo Saraiva, Trad: Arnaldo Saraiva e Sylvie Deswarte. Porto: Campo das Letras, 2ª. Edição, 2000

CRISTÓVÃO, Fernando (Coord.). Condicionantes Culturais da Literatura de Viagens: Estudos e Bibliografias. Lisboa: Edições Cosmos/CLEPUL, 1999

GLISSANT, Édouard. Introdução a uma Poética da Diversidade, Juiz de Fora, Editora UFJF, 2001

HUYSSEN, Andreas, Seduzidos pela Memória: Arquitectura, Monumentos, Mídia, Rio de Janeiro, Aeroplano/UCAM/MAM-RJ, 2000

GIL, José, Portugal, Hoje: o Medo de Existir, Lisboa: Relógio d’Água Editores, 2ª edição, 2005 Editora, 4ª edição, 1978

MAALOUF, Amin, As Identidades Assassinas, Lisboa, Difel, 2ª edição, 2002

MACEDO, Hélder, Partes de África. Lisboa, Editorial Presença, 1991

MACEDO, Hélder, “Partes de si e dos outros”, Entrevista a Vilma Arêas e Haquira Osakabe, In: CERDEIRA, Teresa Cristina (Org). A Experiência das Fronteiras: Leituras da Obra de Helder Macedo, Niterói, RJ: EdUFF, 2002

MATA, Inocênci,. Polifonias Insulares: Cultura e Literatura de São Tomé e Príncipe, Lisboa: Edições Colibri, 2010

MENDES, Pedro Rosa, Lenin Oil. Ilustrações de Alain Corbel. Lisboa: Dom Quixote, 2006

NORA, Pierre, Les Lieux de Mémoire, Paris: Gallimard, 1997

NORA, Pierre, “La père des ‘lieux de mémoire’ – L’historien Pierre Nora craint la ‘boulimie commémorative’”. Entrevista a Antoine Robitaille. Le Devoir.com (Libre de Penser). 27 septembre 2008. http://www.ledevoir.com/societe/207742/le-pere-des-lieux-de-memoire-l-historien-pierre-nora-craint-la-boulimie-commemorative (consultado: 22 de Abril de 2010, às 23.22h)

POLAR, Cornejo, O Condor Voa : Literatura e Cultura Latino-americanas. Org. Mário Valdés. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2000

SELIGMANN-SILVA, Márcio, O Local da Diferença. Ensaios sobre Memória, Arte, Literatura e Tradução, São Paulo, Editora 34, 2005

SELIGMANN-SILVA, Márcio, “Os escaninhos da memória”. Entrevista a Álvaro Kassab. Jornal da UNICAMP, Edição 391 - 7 a 13 de abril de 2008 http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/abril2008/ju391pag5-6-7.html (consultado: 18 de Abril de 2010, às 12.03h) (p. 5-7).

Notes

1 Este texto decorre, como ponto de chegada, da intervenção feita no I ENCONTRO DE  ESCRITORES DE LINGUA PORTUGUESA (Prefeitura de Natal/UCCLA – Natal (RN), 28, 29 e 30 de Abril de 2010), no painel sobre Elos entre Continentes e Culturas. Revista LETRAS COM VIDA – Literatura, Cultura e Arte. Nº 3 , 1º semestre de 2011. Revista do CLEPUL – Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (p.132-140). Directores: Miguel Real e Béata Cieszynska.
Neste texto os termos experiência/experiencial e vivência/vivencial aparecerão em itálico para marcar a sua vinculação conceptual a Walter Benjamin, como mais adiante se verá. Do mesmo modo, a palavra disseminação também aparecerá graficamente marcada pela sua vinculação conceptual a Homi Bhabha, como também se verá. Retour au texte

2 José Manuel Oliveira Mendes, “O desafio das identidades”. SANTOS, Boaventura De Sousa (Org.), Globalização: Fatalidade ou Utopia?, Porto, Edições Afrontamento, 2ª Ed., 2002. Retour au texte

3 Sobre a literatura colonial portuguesa ver: Inocência Mata, Emergência e Existência de uma Literatura: o Caso Santomense (Linda-a-Velha: Edições ALAC, 1993), Pires Laranjeira, “La littérature coloniale portugaise”. In: Jean Sevry. Regards sur les Litteratures Coloniales: Afrique Anglophone et Lusophone. Tome III. Paris: L'Harmattan, 1999. p. 231-258), e Francisco Noa, Império, Mito e Miopia: Moçambique como Invenção Literária (Lisboa: Editorial Caminho, 2003). Retour au texte

4 Este regulamento, que substituiria o de 1932, considerava as seguintes modalidades em prémios: Retour au texte

Prémio Camilo Pessanha, para Poesia;

Prémio Frei João dos Santos, para Ensaio (sociológico, etnográfico ou de outros temas relacionados com a vida do homem e conhecimentos afins);

Prémio Fernão Mendes Pinto, para Novelística (conto, novela ou romance);

Prémio João de Barros, para História.

5 Parágrafo 1 da Portaria nº 6.119, de 1936. Retour au texte

6 Teolinda Gersão, que costuma a ser incluída neste grupo, só publicaria A Árvore das Palavras em 1997 (Lisboa: Publicações Dom Quixote). Retour au texte

7 Passado para filme, por António-Pedro Vasconcelos, com o título Os Imortais. Aliás, a obra de Carlos Vaz Ferraz traz muita incidência africana: os romances Fala-me de África e Basta-me Viver foram publicados, respectivamente, em 2007 e em 2010. Retour au texte

8 Cf. Isabel Castro Henriques, A Invenção Social de São Tomé e Príncipe. Lisboa: Vega, 1999. Retour au texte

9 A propósito desse incómodo que faz a obra de Margarida Paredes singularizar-se nesse corpus, vale dizer que em mais do que um site a escritora foi invectivada por pessoas que a consideram “traidora da pátria”, “racista”, não merecedora do passaporte português pois “um pária teria mais orgulho e mais honra!” uma vez que “ofende Portugal e todos os Portugueses”. Diga-se, a propósito, que considerações e epítetos semelhantes são constantemente aplicados a pessoas que – como Margarida Paredes, enquanto escritora de imaginação  e enquanto cidadã e ensaísta –, se afastam da retórica da singular e bem-intencionada “portugalidade imperial” que ainda prevalece no discurso oficial português sobre o passado quando o assunto diz respeito às relações com a África, sendo por isso consideradas pouco patrióticas se forem portuguesas, ingratas e com “fantasmagorias” se forem africanas…(Ver, por exemplo, comentários no blogue Moçambique para Todos: Retour au texte

http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2008/02/a-mgoa-que-est.html).

10 “Na regra, descubram o abuso. E sempre que for encontrado o abuso, encontrem o remédio”. In: Bertlod Brecht. Poemas. Tradução, selecção, estudos e notas de Arnaldo Saraiva. Trad: Arnaldo Saraiva e Sylvie Deswarte. Porto: Campo das Letras, 2ª. Edição, 2000. Retour au texte

11 Nascido no Huambo (1935), Inácio Rebelo de Andrade regressa definitivamente a Portugal (onde vivera durante o tempo de estudante nos anos 50) após a independência de Angola. É autor de uma obra que inclui quase cerca de dezena e meia de títulos, entre romances, novelas, contos, poesia e apontamentos memorialistas: Saudades do Huambo (Para uma Evocação do Poeta Ernesto Lara Filho e da «Colecção Bailundo») (Ensaio/Memórias, 1994); O Sabor Doce das Nêsperas Amargas (Contos), 1997; Quando o Huambo Era Nova Lisboa (memórias, 1998); Parábolas em Português (contos, 1999); Aconteceu em Agosto (novela, 2000); Mãe Loba (romance, 2001); Os Pecados do Diabo e as Virtudes de Deus (narrativas breves, 2008) Revisitações no Exílio (Contos Angolanos, 2001); Passageiro sem Bilhete (romance, 2003); Adeus Macau, Adeus Oriente (ficções de viagem, 2004); Na Babugem do Êxodo (romance, 2005); A Mulata do Engenheiro (romance, 2007); O Pecado Maior de Abel (romance, 2009); Quando as Rolas Deixarem de Arrulhar (romance, 2010). Retour au texte

12 “Attention, les lieux de mémoire n’ont rien d’une promenade aimable ou poétique dans le jardin du passé”. Retour au texte

13 Autor de apenas dois romances, o primeiro livro de Miguel Gullander é também uma miríade textual feita narrativa de viagens pela Europa: A Balada do Marinheiro-de-Estrada (2006). Retour au texte

14 Vencedor de prémios literários, como o Pen Club, assim como do Pulitzer, prémio concedido em geral a profissionais da comunicação social. Retour au texte

Citer cet article

Référence électronique

Inocência Mata, « Uma intensa disseminação: a África como locus na literatura portuguesa », Reflexos [En ligne], 1 | 2012, mis en ligne le 17 mai 2022, consulté le 29 mars 2024. URL : http://interfas.univ-tlse2.fr/reflexos/518

Auteur

Inocência Mata

Professora da Faculdade de Letras

Universidade de Lisboa

Droits d'auteur

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