Pathé-Baby, Antônio de Alcântara Machado - Tradução e apresentação de Antoine Chareyre

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Pathé-Baby, Antônio de Alcântara Machado, Paris, Éditions Pétra, 2013, 272 p.

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Antoine Chareyre, Antônio de Alcântara Machado, traduction

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Antoine Chareyre, Antônio de Alcântara Machado, tradução

Texte

O nome de Antoine Chareyre vem sendo associado à tradução para o francês de obras instigantes do Modernismo brasileiro. Após ter presenteado os leitores franceses, em 2010, com quatro traduções, dentre as quais o imprescindível Pau Brasil de Oswald de Andrade (Paris, Éditions La Différence), o tradutor propõe agora o livro Pathé-Baby1 de Antônio de Alcântara Machado (1901-1935); obra que não somente traduz, mas também insere no contexto da época e apresenta longamente num posfácio de rico desenvolvimento.

Apesar de não ter participado da famosa Semana de Arte Moderna de 1922, Alcântara Machado seguia de perto as ideias dos participantes, em particular as de Oswald de Andrade, seu amigo e autor do prefácio de matizes modernistas que introduz Pathé-Baby. Num estilo telegráfico que rompe com as normas então admitidas, o autor de Pau Brasil apresenta a obra nos seguintes termos:

Tu t'es emparé sans peur température occasionnelle chaque peuple chaque pays. Dans tout ton livre approbation aimable réellement Europe délicieuse ridicule.

Pathé-Baby – que retoma o nome da câmera comercializada pela indústria francesa Pathé a partir de 1922 — embarca o leitor numa viagem turística pela Europa. Viagem que é literária também, através das impressões que o autor paulistano recolhe durante os oito meses em que ficou longe do Brasil; e viagem pictórica igualmente, através das estampas originais do artista plástico modernista Antônio Paim Vieira (1895-1988), que ilustram o livro.

Cada um dos vinte e três capítulos de Pathé-Baby — que correspondem às cidades visitadas pelo viajante — é iniciado com dois desses desenhos, sobrepostos. A estampa superior apresenta uma imagem de cada lugar. Paris, por exemplo, é representada pelo Arco do Triunfo e por pessoas sentadas em um restaurante. Quanto a Barcelona, a imagem que a resume é a de uma tourada típica, enquanto que Veneza fica indissociável de um de seus inúmeros canais. Algo, finalmente, bastante estereotipado, que lembra de certa forma os cartões-postais que se envia nessas circunstâncias. Tudo se torna, porém, mais interessante a partir do momento em que o leitor descobre as estampas inferiores que acompanham essas “fotografias” corriqueiras. Observa-se então um quarteto composto de uma pianista, um violonista, um flautista e um contrabaixista. E, de repente, o conjunto revela uma nova significação, original e coerente: a imagem superior — a dos “cartões-postais” — representa uma tela sobre a qual a câmera Pathé-Baby projeta imagens das diferentes cidades. E a orquestra constitui, simplesmente, aquela que, ao vivo, acompanhava cada projeção do cinematógrafo em seus primórdios, quando ele se limitava a “filmar a realidade”, e não dispunha ainda da faixa sonora que, a partir de 1927, será apresentada pela primeira vez com o filme norte-americano The jazz singer.

Com efeito, Antônio de Alcântara Machado efetuou essa viagem pela Europa em 1925 — época ainda de cinema mudo — e durante todo o percurso, enviou treze crônicas — treze “cartões-postais” — que foram publicadas pelo Jornal do Comércio de São Paulo, onde exercia as funções de crítico literário e cronista. Sob forma de livro, Pathé-Baby foi publicado em fevereiro de 1926, acrescido de uma nova série de textos. Como assinala Antoine Chareyre em seu interessante posfácio, a obra foi objeto de uma rigorosa revisão ortográfica que integrava as reivindicações daquele momento literário: uma grafia simplificada e mais próxima da pronúncia.

A referência cinematográfica é reforçada pelo programa das “sessões corridas”, que é proposto pelo autor no início do livro, usando a fórmula então empregada para apresentar os diversos documentários curtos — os famosos “naturais” — que constituíam a sessão típica do cinematógrafo naquela época. E o leitor descobre, sob essa forma de programa, o itinerário de Alcântara Machado em terras do Velho Mundo: Las Palmas, Lisboa, Paris, Londres, Milão, etc.

Das vinte e três etapas dessa viagem européia, algumas cidades inspiram, mais do que outras, o autor paulistano, e nem sempre louvores, como por exemplo a capital portuguesa: La statue de Luís de Camões. Forte odeur de gloires passées. Maisons tristes, moisies. Le froid et la pluie fine. Ou Nápoles: Rideaux de poussière. L'automobile, modèle 1908, les ouvre en bondissant sur la chaussée exécrable. Ou então Córdoba: Des moulins paresseux attendent Don Quichotte. Tristesse. Campagne déprimante. Pauvreté. Stérilité.

Outras cidades ou regiões já recebem um olhar mais condescendente por parte de Alcântara Machado. É o caso de Londres: Sur la pelouse bien peignée, des silhouettes assises jouent au sérieux avec le ciel. Des chiens bien élevés se saluent de loin;

ou então de Florença: «Sur le portique des palais, aux coins des rues, à l'entrée des ponts, dans les angles des églises, [Dante] Alighieri fournit toujours une indication poétique et utile.»

A viagem, contudo, é cinematográfica, como já foi dito. E são inúmeros os momentos em que as descrições passam a adotar uma forma que lembra a montagem de cinema, alternando imagens, propondo um início de narrativa, como por exemplo num dos interessantes parágrafos sobre Paris:

Têtes baissées. La prostituée la plus grande détache de sa ceinture un bouquet de violettes, le place entre les couronnes. Le bouquet glisse, se cache sous les fleurs mortes. La fille de la bourgeoise à duvet se baisse, saisit le bouquet violet, le pose sur la tombe. La bourgeoise à duvet (et grosse) approuve du regard. Tous pensent. Tous prient.

A mesma estrutura descritiva pode ser encontrada também num outro parágrafo sobre Pisa:

Discussion de deux Italiens sur le Ponte de Mezzo. Tempétueuse. Ça tourne mal. La gifle est pour maintenant. Non. Ils hurlent encore. C'est pour maintenant. Pas encore. L'un va démolir l'autre. C'est certain. Les deux vont se dévorer. Fatalement. Encore un cri et la correction va s'abattre. C'est pour maintenant! Et pas un seul carabinier! Quelle horreur! C'est pour maintenant ! C'est p…

E, como no cinema, as cores podem também surgir. Na paisagem normanda, elas são pobres, «avec deux couleurs seulement: gris et vert»; enquanto que em Toledo, «mulets, pastèques et soldats se mêlent sur la Plaza de Zocodover, orangée, rouge, blanche, terne»; e que elas explodem na claridade sevilhana da Andaluzia: «Toutes les couleurs. Toutes. Toutes les lumières. Toutes.»

A qualidade do trabalho de tradução e apresentação efetuado por Antoine Chareyre, não somente faz da presente edição de Pathé-Baby um livro de leitura agradável, mas coloca ao alcance dos leitores franceses uma das obras mais originais de sua época. Nota-se já, nas crônicas de viagem aqui apresentadas, a preferência do autor modernista pelo pitoresco, elemento indispensável para o desenvolvimento de sua carreira de contista, confirmada a seguir pelo excepcional “Brás, Bexiga e Barra Funda”, publicado em 1927, que narra diversas “cenas” do meio imigrante italiano de São Paulo. Antônio de Alcântara Machado, desta forma, continuou a se interessar pelos que, como ele, efetuaram a longa viagem, mas em outras situações e com outros objetivos.

Notes

1 Paris, Éditions Pétra, 2013, 272 p. Retour au texte

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Cristina Duarte-Simões, « Pathé-Baby, Antônio de Alcântara Machado - Tradução e apresentação de Antoine Chareyre », Reflexos [En ligne], 2 | 2014, mis en ligne le 18 mai 2022, consulté le 25 avril 2024. URL : http://interfas.univ-tlse2.fr/reflexos/741

Auteur

Cristina Duarte-Simões

Université Paul-Valéry — Montpellier III

MCF (HC)

teresa.duarte-simoes@univ-montp3.fr

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